MÍDIA-EDUCAÇÃO E CRIAÇÃO COLETIVA: ANÁLISE E APROPRIAÇÃO CRÍTICA DE LETRAS MUSICAIS DO ESTILO FUNK NO SUDESTE PARAENSE, NA AMAZÔNIA ORIENTAL

Ianara Viana Vieira
Ingrid Gomes Bassi
Kelly Cristine Ladeia Higino

Resumo:
O artigo relata e analisa as oficinas de letramento crítico da mídia com discentes do 9º ano da Escola Municipal de Ensino Fundamental Professor Francisco Nunes, em Rondon do Pará, no sudeste paraense (Amazônia Oriental). Para isso utilizamos a metodologia etnográfica (Travancas, 2015) em que acompanhamos em aula a produção de oficinas guiadas sobre crítica de mídia em letras de músicas escolhidas pelas/os discentes e também workshop de criação de músicas autorais com especialista da área. Fundamentamos a parte teórica nos conceitos de mídia-educação (Fantin, 2006), com o objetivo de aproveitar o espaço escolar para permitir que as/os discentes interajam de forma plural com o que consomem a partir da mídia e se apropriem de uma prática musical mais significativa enquanto sujeitos ativos no processo cultural, assim, nas considerações finais trazemos as composições autores das/os discentes e as reflexões de mídia-educação. da práxis de ensino-aprendizagem incluindo o processo performático do canto e da interação socioafetiva de/os participantes.
Palavras-chave: Mídia-educação; Produção cultural; Letramento crítico da mídia; Sudeste paraense; Ensino Fundamental.

Introdução
As vertentes culturais das sociedades contemporâneas cada vez mais se organizam a partir das mídias, que sendo parte da cultura desempenham um papel de importantes mediadoras entre os sujeitos (público) e a cultura mais abrangente, modificando as interações sociais coletivas (Fantin, 2006, p. 25). A autora, Mônica Fantin, em seu trabalho também enfatiza que gradativamente crianças e adolescentes vêm sendo influenciados pelo mercado midiático, e na maioria dos casos a realidade desses telespectadores não condiz com os conceitos e valores definidos pela ideia desse mercado, assim, pode gerar consequências na vida cotidiana e interpessoal desses envolvidos. 

A cada ano visualizamos a influência midiática na construção de identidades e valores sociais que marcam definitivamente formas de pensar, agir e sentir. Os meios de comunicação são elementos constitutivos do tecido cultural de uma população e que, eventualmente, se inserem às demais instituições sociais, visto que é capaz de ensinar conteúdos através de músicas, filmes e documentários, de permanência ou não na coesão social (Menezes, 2016).

A música, neste contexto, traz diversos efeitos significativos no campo do desenvolvimento social da criança, pois é por meio do repertório musical que se iniciam como membros de um grupo social. Direcionada de forma positiva à vida em coletivo, a música possibilita uma multiplicidade de estímulos, podendo estimular também a absorção de informações e a aprendizagem, principalmente no campo do raciocínio lógico, abstrato e memorial. Segundo o artigo 71 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) assegura que “[...] a criança e ao adolescente têm direito à informação, cultura, lazer, esportes, diversões, espetáculos e produtos e serviços que respeitem sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento” (1990, p.52).

No entanto, ao analisar diversos estilos musicais e suas composições é possível visualizar o não cumprimento dessa normativa, pois em sua maioria apresentam conteúdos que incentivam ao uso de bebidas alcóolicas, drogas, sexualidade precoce e a desvalorização de determinadas classes ou grupos sociais. Segundo Bernardes et al., (2015), no fim da década de 80, começaram a ser lançadas no Brasil o funk carioca, inspirado no Miami Bass, um ritmo da Flórida, com músicas mais erotizadas e batidas mais rápidas. Contudo, o ritmo tornou-se uma atração comercial com exploração da mídia da música, em especial, do corpo da mulher, da dança e da erotização inclusive de crianças.

Após levantamento de dados, na observação com a turma, sobre o que as/os alunas/os ouvem nas escolas, no bairro, e até mesmo em casa, percebemos uma demanda significativa ao estilo musical funk. É visto que na maioria dos casos, alunas/os vêm-se transformando de forma comportamental tanto dentro como fora de casa, houve-se a necessidade de se trabalhar o tema dentro da sala de aula por meio de oficinas com especialistas na área. 

Nesse sentido, as autoras desse artigo, desenvolvem a ponte do trabalho cotidiano, como professoras do Ensino Fundamental, com a possibilidade criativa de investirem na mídia-educação, ou educomunicação como também pode ser conceituada, desenvolvendo o letramento crítico dessas músicas mais comuns entre suas alunas e alunos, propondo à criação de músicas autorais entre essa mesma turma, por meio de oficinas e mediações guiadas. Para tanto, o objetivo do trabalho é aproveitar o espaço escolar de forma a permitir que as/os alunas/os do 9º ano da Escola Municipal de Ensino Fundamental Professor Francisco Nunes adquiram uma visão crítica do que consomem a partir da mídia e se apropriem de uma prática musical significativa relatando, ouvindo, refletindo, compondo, cantando, e assim, ampliando repertórios. 

A Escola Municipal de Ensino Fundamental Professor Francisco Nunes fica na região sudeste do Pará, na cidade de Rondon do Pará, em especial na parte periférica da cidade. Em 2020 a cidade faz 38 anos de emancipação política de território, com a população aproximada em 50 mil habitantes, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (2019). Rondon do Pará fica à 523 km da capital Belém e na fronteira com o estado maranhense, nas cidades de Itinga e Açailândia, pela BR 222. 

Essa região está inclusa no território amazônico, em específico na parte Oriental da Amazônia. As questões sócio-políticas marcam as disputas de territórios na Amazônia. Verificamos comunidades locais (tradicionais, quilombolas, indígenas e outras mestiçagens) na nossa região, que enfrentam continuamente emblemáticas socioambientais, dispostas por grandes empresas de mineração, exploração de hidrelétricas, construção de ferrovias e urbanizações sem planejamento e incorporação adequada pelos poderes públicos e privados (Castro, 2017). Contudo, em Rondon do Pará a desigualdade social e econômica, assim como a falta de emprego e renda fixa são pontos centrais que marcam o cenário de esvaziamento cultural e educação básica. Em média, 46.7% dos rondonenses ganham até meio salário mínimo (IBGE, 2019). E na área educacional dos 6.712 matriculados do Ensino Fundamental, 1.312 entram no Ensino Médio (IBGE, 2019). Esses são pontos importantes a serem destacados de onde falamos, para discutirmos o tema e a questão de pesquisa do presente artigo.

1 Referencial teórico
Na sociedade midiática em que vivemos nos dias atuais, não há delimitações de tipos de músicas para idades ou gostos musicais distintivos de classes socioculturais. Na escola percebe-se que a música está presente em diferentes momentos, de modo relativamente sistematizado, especialmente as cantigas tradicionalmente direcionadas a datas comemorativas (Páscoa, Dia das Mães, Dia dos Pais, Dia dos Professores, etc.), às rotinas escolares (merenda, higiene, entrada e saída, etc.) e ao folclore. Essas práticas citadas são decorrentes do “canto orfeônico”, introduzido nos currículos escolares desde o ano de 1932, por Heitor Villa-Lobos (Subtil, 2007).

Segundo Subtil (2007) a música também faz parte do ambiente escolar de forma aleatória nos recreios, nas filas, nos corredores e é nestes momentos em que as crianças cantam o que ouvem, sabem e gostam: as canções das novelas, dos programas de auditórios e até dos comerciais. Ressalta-se uma prática corrente, é que para os jovens, faz parte, estar junto, pertencer ao grupo, também está diretamente ligado ao consumo das músicas, baixar músicas, fazer as coreografias que estão no hit parade, no período de duração desses sucessos. Isso para a autora, produz uma espécie de “liga social”, uma forma de reconhecimento que representa os jovens, em especial dos centros urbanos.

Ao levantar discussões sobre ritmos musicais, a questão do funk é necessária ao pensar a juventude atual. O trabalho com jovens requer um conhecimento especial, uma vez que eles vivenciam a realidade de um modo distinto. Para Bernardes et al. (2015): “[...] a juventude hoje é influenciada pela rapidez do mundo pós-moderno, a comunicação é on-line, as relações iniciam com o ‘pegar ou o ficar’, que é passageiro, as relações de consumo são muito relevantes e as interações entre as pessoas instantâneas”, sejam elas pessoais, virtuais ou pela televisão. Os jovens estão continuamente realizando escolhas próprias e que mudam diariamente. 

A mídia, através de seus meios de transmissão, destaca-se como um expressivo influenciador social. Denominado de “quarto poder”, a mídia é capaz de imprimir valores comportamentais, de estilo, de saúde e de consumo. É também utilizado como fonte de informação, acesso à educação, entretenimento e, também, exerce seu papel de articuladores de identidades, possibilitando aos indivíduos a se reconhecerem (ou se estranharem) nas histórias contadas nos programas de televisão, propagandas de produtos e nas postagens das redes sociais digitais (Menezes, 2016).

A autora Subtil (2007, p. 80) enfatiza em suas pesquisas que a escola tem sido vista de forma tradicional e preferencial para formação de hábitos intelectuais, como ler e escrever. Na qual, o mesmo não se procede com relação a outras formas de comunicação, tais como as múltiplas linguagens artísticas. Particularmente da música, em que o caso é agravante. A música, enquanto conteúdo específico, tornou-se quase ausente no ensino regular nas escolas públicas brasileiras. Entretanto, enquanto música incidental ou recurso didático de outras disciplinas ela é indispensável e mais facilmente encontrada. 

Visto que a música de massa também serve de aporte da cultura musical universal, Subtil (2007) considera importante o papel da educação na humanização dos sujeitos, entendendo que a técnica de aquisição e produção de conhecimentos musicais requer propostas e atividades mais complexas por parte dos docentes do que apenas imitações de canções midiáticas. A educação para a mídia, por exemplo, é uma condição de educação para a cidadania, pois ela é utilizada como “[...] um instrumento para democratização de oportunidades educacionais e de acesso ao saber, o que contribui para redução das desigualdades sociais” (Fantin, 2006, p. 31). 

Para a autora Mônica Fantin (2006):
Educar para as mídias na perspectiva deste trabalho implica à adoção de uma postura “crítica e criadora” de capacidades comunicativas, expressivas e relacionais para avaliar ética e esteticamente o que está sendo oferecido pelas mídias, para interagir significativamente com suas produções e para produzir mídias também (Fantin, 2006, p. 31).

Pensando nessa conexão, entre educomunicação e prática musical para a interação com adolescentes e jovens, esse artigo relata os processos metodológicos de como as/os participantes foram incentivados ao letramento crítico de músicas pontuais do estilo funk que cotidianamente estão interagindo.

Para isso usamos a metodologia da etnografia (Travancas, 2015), desenvolvendo a pesquisa qualitativa e empírica, fazendo parte do universo musical e cotidiano das aulas e alunos do 9º ano. A pesquisa de campo (Travancas, 2015, p.101) registrou as realidades das/os participantes, com suas linguagens, gírias, problemáticas, identificações e estilos musicais.

A observação participante ocorreu ao longo do segundo semestre de 2019, nesse período executamos três encontros, no formato de oficinas. O primeiro teve como objetivo explicar aos responsáveis das/os participantes sobre os objetivos da produção acadêmica, em trazer conteúdo de letramento crítico da mídia sobre músicas específicas do estilo funk, de cunho estereotipado do feminino. Esse objetivo foi provocado pela participação ativa das docentes Ianara e Kelly no dia a dia em sala de aula, com as/os discentes.

A segunda parte dessa primeira oficina, contou com a presença das/os alunas/os. Conversamos com as/os participantes de forma interativa, trazendo em alusão ao jogo da memória, imagens de personalidades do mundo cultural e da realidade musical em questão. Também nessa segunda etapa, aplicamos questionário/anamnese, com a finalidade de entender e relatar pontualmente algumas categorias de perfil de público.

Na segunda oficina, convidamos uma profissional da música para trazer o debate com maior conhecimento, sobre as músicas mais ouvidas e curtidas pelo nosso público. Já na terceira oficina, a professora de língua portuguesa da Escola, acompanhou o desenvolvimento da turma participante, colaborando com a criação autoral e coletiva de música, no estilo favorito da turma, o funk.

2 Da teoria do educomunicador às práxis
2.1 Processo das oficinas
Iniciamos a oficina com público-alvo satisfatório e teve duração de aproximadamente 15 minutos, vinte pais curiosos escutaram atentamente. Num breve resumo esclarecedor falamos da Educomunicação/Educomunicador: Interação entre as ciências da educação e comunicação. Associamos a prática educativa e o uso das mídias na escola e no dia a dia.

Refletimos com interação dos pais de como a sociedade está sendo educada parcialmente por meio da cultura midiática; os pais também relataram que a mídia ocupa e interfere nem sempre de modo favorável na vida das/os filhas/os. Relatamos que é preciso educar a/o aluna/o para as mídias, jovens como ser pensante e cidadão livre. Os pais, portanto, demostraram confiança e também angustias, assim, sentimos que poderíamos contribuir de forma favorável com o trabalho proposto. 

Na segunda parte da oficina, tivemos a duração de 1h, iniciamos bate-papo com vinte e sete alunos, sendo treze do sexo feminino e quatorze do sexo masculino, com uma breve apresentação pessoal e da especialização em curso sobre Mídias no Ambiente Escolar e seus objetivos, explicamos que desse ponto surge a necessidade de trabalhar em parceria com eles através de oficinas e, claro, perguntamos se estavam dispostos a colaborarem com as atividades. Sem receios, concordaram, e sentimos que a partir desse momento teríamos um espaço e público valioso para a experiência em educomunicação.

Na atividade desse segundo momento, realizamos dinâmica com fotografias de personalidades da mídia, tais como: Kevinho, Anita, Jerry Smith, MC Kekel, Ludmila, Lexa, Nego Borel, Denis DJ, Pocahontas, Dilsinho, Lucas e Orelha, MC Bin Laden, MC Gui, Catra, MC Guiné, Livinho, Bolsonaro, Maiara e Maraisa, Pe. Marcelo, Damares, Luciano Huck, Ana Maria Braga, Geraldo Luís, Obama, Neymar, Xuxa Meneguel, Tiririca, Patatí e Patatá, Roberto Carlos, Marília Mendonça, Beethoven, obra de Romero Brito e obra “Mona Lisa”. 

As personalidades midiáticas do funk foram escolhidas por estarem entre as mais ouvidas, personalidades internacionais e que estiveram em evidencia e ainda permanecem, mesmo não fazendo parte do mundo jovem são personalidades da mídia. As obras de arte escolhidas fazem parte do curriculum escolar, e demais personalidades recentes da TV são expressivamente publicizadas e chamam atenção dos jovens. Escolhemos também personalidades religiosas por fazerem parte do dia a dia e da mídia. Em duplas e em semicírculos as/os alunas/os receberam figuras. 

A dinâmica introdutória aplicada mostrou estilo/preferência musical das/os alunos, eles reconheceram todos os famosos do estilo funk, relataram nome do artista e ainda indicaram nome de sucesso musical de cada um. Quanto às celebridades internacionais houve interesse e reconhecimento no âmbito da política, já sobre a identificação das representações das obras de artes foram pouco identificadas. Houve certo entusiasmo entre elas/es ao relatarem suas preferencias pelo estilo funk e mostraram que reconheciam com muitas habilidades a vida dos artistas desse estilo musical. Finalizamos a dinâmica com a identificação das demais personalidades “não reconhecidas”, algumas/ns alunas/os diziam reconhecê-las, porém não se recordavam dos nomes.

Ao aplicarmos um questionário/anamnese observamos que a turma é composta por trinta e um alunos, sendo quatorze alunas do sexo feminino e dezessete alunos do sexo masculino, faixa etária entre treze e quinze anos, tendo três alunos de dezessete anos e um aluno com dezoito anos. Essas/es alunas/os, em sua maioria, residem com os pais biológicos e a outra parte com outros familiares. Foram unânimes ao relatarem que não tiveram oportunidade de participar de aula de música, porém gostam de ouvir e possuem o desejo de participarem dessas aulas. Relatam ainda que ouvem música com frequência, em sua maioria, via mídia celular YouTube, e que o estilo musical para curtir com amigos da escola/rua é o funk, porém na presença dos familiares ouvem o estilo sertanejo. Desejam que a escola oferte aulas de músicas pois é o local aonde mais ouvem com amigos que possuem a mesma preferência. 

2.2 Oficina com Rosa Maria Peres Lima: funk em debate
A oficina com Rosa Maria foi realizada com a participação de vinte oito alunas/os sendo treze do sexo feminino e quinze do sexo masculino, teve duração de 1h 15min. Fomos felizes na escolha da nossa colega Professora e Escritora Rosa Maria Peres Lima, como facilitadora dessa oficina. As/os alunas/os ficaram atentas/os ao perceberem o fundo musical, relataram ser a primeira vez que ouviam esse tipo de música, afirmaram também que não era do agrado da maioria, porém ouviram com atenção. Elas/es demonstraram surpresa ao ouvir o curriculum da convidada. Então a professora, escritora Rosa Maria iniciou o bate-papo relatando sua experiência de vida e seus objetivos como ministrante da oficina, de uma forma descontraída deixou claro que estava ali para ouvi-las/os e jamais para avaliá-las/os. Conseguiu participação de todas/os quando interpretava a letra da música “Evoluiu”, eufóricos com o tema começaram a perceber que por várias vezes se sentiam envergonhadas/os em pronunciar palavras contidas na letra da música e deixaram claro que “a batida do ritmo funk é o máximo e que a letra não faz sentido algum, não se incomodam com tais palavras”. Relataram que sentem prazer em ambos sentidos quando ouvem e dançam o funk, porém só se sentem à vontade em dançar quando estão com suas respectivas turmas.

Rosa Maria fez uma retrospectiva do surgimento do funk nos Estados Unidos e como o estilo musical chegou ao Brasil de forma distorcida, tal contextualização as/os levaram a refletir a origem do funk brasileiro, em que o sucesso é maior, o ritmo tem um público-alvo e o maior índice de repercussão está entre os jovens de classe baixa. O ritmo geralmente faz apologias, como: uso de drogas, insinuação de cultura de tolerância ao abuso sexual, ao estupro, submissão da mulher/degradação, política; as/os próprias/os alunas/os relatam com surpresa tais apologias, tristes e marcantes.

A professora fez relato referindo-se ao papel da mídia e seus objetivos em dar ênfase ao ritmo, problematizando as/os alunas/os como a mídia nos conduz e nem sempre de forma que gostaríamos de ser conduzidas/os, ficaram atentas/os e concordaram integralmente com Rosa. E no momento que elas/es foram incitadas/os a exporem suas ideias e gostos após os esclarecimentos, elas/es demostraram que estão cientes da “pouca cultura que as letras oferecem e que as letras não as/os representam”, porém, são alucinadas/os com o ritmo “batida contagiante”. Rosa Maria as/os convidou a interpretar a letra da música “A Estrada”, a sala ficou tranquila, acalmaram-se os ânimos, relataram que a música daquele momento não as/os levavam à emoção, apesar de ter uma lindíssima letra “a batida não contagiava”. 

Rosa então finalizou com seu relato de experiência, em que devemos refletir a respeito do que nos representa e de que forma estamos conduzindo nossos estilos/gostos no geral pela vida e que ser jovem é maravilhoso, porém ser também crítico é também importante. Finalizamos a oficina com o convite para que elas/es tentem compor uma música que as/os representem, deixaram claro que seria no ritmo do funk, porém com letra diferenciada.

2.3 Composição de paródia a partir de análises de letras de funk 
Após realização das oficinas convidamos as alunas e os alunos a produzirem uma paródia, utilizando a letra do funk escolhida por elas/es, que foi: “Evoluiu”, do artista Kevin O Chris. Solicitamos a professora de língua portuguesa da referida turma para que juntos desenvolvêssemos o trabalho, na disciplina anteriormente citada as/os alunas/os trabalharam o gênero textual, em que comporiam as letras. Com o ato de fazer e refazer elas/es dividiram-se em dois grupos e assim produziram as seguintes produções:

Paródia 1: Notão Subiu
Se liga aí galera no que eu vou te falar / A média agora é 7, mais difícil de passar/ Professora no comando vai lançando a nota dela / No final do ano nossa média é a fivela / No final do ano nossa média é a fivela / (Manda pra secretaria) / E repetiu e no final do ano foi a taca que fluiu / Levando lapadas que você nunca sentiu / Foram vários gritos... / Vai foca na série que repetiu, vai escrever / Pra valer, pra valer, pra valer e e e e e e e... / Seja no giz ou no PC, pode começar o dever / Dever, dever, dever, dever a matéria eu vou entender / Tender, tender, tender, tender. / Pode começar o dever, dever, dever, dever / O conteúdo eu vou aprender, prender, prender, prender... / Vou dando aquela estudadinha.
Se liga aí galera no que eu vou te falar / A média agora é 7, mais difícil de passar / (Manda pra secretária) / Notão subiu! / Todo mundo estudou e conseguiu! / Concluímos...

Paródia 2: Eu estudei / Eu estudei / Para eu passar o ano todo eu lutei / E no fim do ano minha vitória conquistei / Eu consegui... / O final do ano tá chegando / E eu não posso reprovar / O ensino médio vai chegar e tudo vai dificultar / Oh meu Deus que complicado o jeito é eu ir levando / Vou estudar e estudar fazer a prova e passar / Esse é o objetivo que eu quero alcançar / Estudar e praticar e um dez eu vou tirar (2x) / Com meu lápis e borracha, caneta e apontador. / Vou mostrar aonde eu cheguei / 
Eu sou jovem sonhador. / Agora que tudo acabou / Eu vou só comemorar / Chamar os amigos para zoar / Valeu a pena eu lutar / Eu estudei e estudei e tudo conquistei (2x) / Eu estudei e estudei com garra eu sonhei.

Ambas as letras trazem o ritmo utilizado pelo funk tradicional, entretanto o tema indicado na produção coletiva foi a importância do estudar, do ir bem ao longo do semestre e ano, para o reconhecimento do valor de passar com nota satisfatória nas disciplinas, da luta e do sonho em formar-se, também como guias em suas propostas de pensamento. 

No dia primeiro de novembro de 2019 realizamos uma culminância para as apresentações das/os alunas/os em sala de aula, com propósito de dar retorno à proposta do nosso trabalho de Educomunicação do Curso de Especialização em Mídias no Ambiente Escolar. As apresentações foram um sucesso e as/os alunas/os utilizaram como recurso de sonorização o playback para melhor reprodução da letra. 

3 Considerações finais
Com a análise sobre o tema deste texto, chegamos enfim à ideia de que no universo da educomunicação está presente o caráter cognitivo da/o educador/a e/ou comunicador/a em prospectar/procurar realizar atividades em que haja interação entre as partes, promovendo encontros culturais contemporâneos. A reflexão e letramento crítico são características iniciais nesse processo.

Observamos que os jovens demonstraram prazer, satisfação e realização em participar das oficinas de funk. Considerando nossas observações com relação a essas oficinas, compreendemos que, ao mesmo tempo em que visam a reflexão, interpretação, análise e reescrita das letras do estilo musical em questão, também podem se configurar como um dos importantes instrumentos de transformação cultural e social desses jovens. 

O gosto musical, também construído socialmente, não é privilégio de minorias e não mais diferencia classes sociais, gêneros ou idades de forma linear. Essa constatação, no entanto, não deve obscurecer o fato de que quanto mais repertórios os sujeitos possuírem mais chances de outras escolhas terão. Cabe distribuir a todas/os o patrimônio musical (erudito, popular, folclórico, entre outros), construído em diferentes tempos e contextos sociais e geográficos, mas ainda presentes na história e em padrões do que se ouve, canta e consome culturalmente no País. 

A humanização dos sentidos e a educação musical são tarefas para a escola, também, além de trazerem o papel do educomunicador como central nessa transformação ativa e criativa de apropriação de conhecimento crítico. Dessas possibilidades, verificamos também outras propostas para futuros trabalhos, como produção coletiva das alunas e alunos, proposição sobre debate de gênero, educação transformadora e diálogo com as diferenças. Trabalhos a serem pesquisados e sistematizados. 

Referências 
Benardes, J.G.; Carlos, P. P.; Accorssi, A (2015). Funk: engajamento juvenil ou objetivação feminina? Inter- Ação, Goiânia, v. 40, n. 2, p. 355-368, maio/ago.

Castro, Edna Ramos de (Orgs.) (2017). Territórios em transformação na Amazônia - saberes, rupturas e resistências. Belém: NAEA. Recuperado de https://cpalsocial.org/documentos/706.pdf

Estatuto da Criança e do Adolescente (1990). Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990. Brasília: Autor. Recuperado de https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1990/lei-8069-13-julho-1990-372211-publicacaooriginal-1-pl.html

Fantin, M. (2006). Mídia-educação: conceitos, experiências, diálogos Brasil/ Itália. Florianópolis: Cidade Futura.

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (2019). Cidade de Rondon do Pará-PA. Brasília: Autor. Recuperado de https://cidades.ibge.gov.br/brasil/pa/rondon-do-para/panorama.

Letra da Música A Estrada (2019). Autor: Cidade Negra. Recuperado de https://www.vagalume.com.br/cidade-negra/a-estrada.html.

Letra da Música Evoluiu (2019). Autor: MC Kevin o Chris. Recuperado de https://www.vagalume.com.br/kevin-o-chris/evoluiu.html

Menezes, S. M. M. de. (2016). Adultização da infância pela mídia: uma leitura sócio-histórica. Revista psicologias, v. 2.

Subtil, M. J. D. (2007). Mídias, músicas e escola: a articulação necessária. Revista da ABEM, Porto Alegre, v. 16, p. 75-82, mar.

Travancas, I. (2015). Fazendo etnografia no mundo da comunicação. In J. Duarte & A. Barros (Orgs.), Métodos e técnicas de pesquisa em comunicação (pp. 98-109). São Paulo: Atlas S.A.

Comentários

  1. Parabéns pelo trabalho, achei importantíssima a pesquisa lançar como recurso de aprendizagem os estilos musicais como centralidade na socialização dos jovens e de estimular a criatividade e criticidade. Nesse sentido, acreditam que a música deve ser utilizada como ferramenta pedagógica para as aulas regulares, inclusive de outros componentes curriculares nas escolas?

    Aline Tarcila de Oliveira Lima

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    1. Obrigada Aline, penso que a arte de forma geral poderia ser mais aproveitada como recurso de ensino-aprendizagem. O desafio inicial é trabalhar com a escola e as/os professoras/es essa capacitação e incentivos, assim teríamos um início cultural na sala de aula, da realidade mais próxima das/os nossas/os alunas/os, nesse sentido a questão do componente curricular poderia ser a conquista posterior. Jornada a ser trilhada. Abraços,

      Ingrid Gomes Bassi.

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  2. Parabéns pela pela pesquisa. Eu gostaria que saber qual o lugar do letramento crítico nessa pesquisa e qual a função social e pedagógica do gênero escolhido na pesquisa para os alunos?

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