CONSIDERAÇÕES SOBRE A IMPORTANCIA DA EDUCAÇÃO ESCOLAR BILINGUE NAS COMUNIDADES INDÍGENAS DO SUDESTE DO PARAENSE

Carmélia Gonçalves de Farias, Programa de Pós-Graduação em Letras: Linguagem e Sociedade (POSLET) Mestranda, UNIFESSPA, Bolsista FAPESPA. carmeliafarias@hotmail.com
Eliane Pereira Machado Soares, Programa de Pós-Graduação em Letras: Linguagem e Sociedade (POSLET), Doutora, UNIFESSPA. eliane@unifesspa.edu.br

INTRODUÇÃO
Este trabalho tem como objetivo analisar o ensino bilíngue dentro das escolas indígenas da Terra Indígena Mãe Maria, onde residem os povos Akrãrikatêjê, Kyikatêjê e Parkatêjê, e refletir acerca de alguns pontos que circundam a temática da educação indígena como a relação que os indígenas têm com a língua portuguesa no contexto escolar, haja vista que a escola é o lugar de acolhimento e troca de conhecimento dentro das aldeias que desenvolvem um projeto educacional diferenciado. Destacando que este estudo é um recorte o qual fará corpus à uma pesquisa de mestrado em andamento

Os estudos sociolinguísticos têm proporcionado inúmeras reflexões acerca da situação linguística das comunidades indígenas, e essas observações permeiam questões sobre a importância da manutenção dos costumes, crenças e línguas dos povos indígenas, que embora os contextos sociais, culturais e linguísticos sejam diferentes, ainda assim, sob uma perspectiva sociolinguística, fazem parte de uma mesma comunidade de fala, que segundo Labov (1972) essa expressão não se aplica a falantes e sim a um grupo com regras relativas aos usos da língua. Logo, não podemos esquecer o contexto sociocultural e as especificidades dos sujeitos envolvidos dessas comunidades.

OBJETIVO
Refletir sobre a importância do ensino bilíngue nas escolas indígenas, suas especificidades e contribuições.

METODOLOGIA
Este trabalho é apenas um recorte bibliográfico que fundamenta uma dissertação de Mestrado em curso. Baseado nas teorias sociolinguísticas, analisaremos as comunidades indígenas como diferenciadas, cada uma com seus costumes e tradições, pois quando se trata de educação intercultural, falamos de uma proposta de ensino-aprendizagem que respeite o contexto sociolinguístico de cada povo.

PESQUISA TEÓRICA
A proposta educação escolar intercultural, diferenciada e bilíngue reconhece a importância da participação dos próprios indígenas neste processo de aprendizagem, como postula Baniwa (2006, p. 129): 

A educação escolar indígena refere-se à escola apropriada pelos povos indígenas para reforçar seus projetos socioculturais e abrir caminhos para o acesso a outros conhecimentos universais, necessários e desejáveis, a fim de contribuírem com a capacidade de responder às novas demandas geradas a partir do contato com a sociedade global.

Diante deste contexto, lembramos que os povos indígenas só tiveram reconhecimento legal do direito ao uso de suas línguas na educação escolar somente em 1988, e que a partir deste momento foram criadas políticas educacionais que contemplam a educação específica, diferencial e intercultural dentro das escolas indígenas.

O direito à educação específica e diferenciada é extremamente importante, não só do ponto de vista linguístico, mas principalmente político. Foram várias conquistas para educação dos indígenas, dentro e fora das aldeias seus direitos passaram a ser lei.

A proposta de ensino voltada à preservação da língua indígena é uma das ações comunitárias que incidem também na tentativa de fortalecer sua identidade e esse esforço para o fortalecimento é uma resposta às ações decorrentes desse contato nefasto entre indígenas e não indígenas, como explicam Fernandes, Cardoso e Sá ( 2008 p. 2).

Há mais de trinta anos os Gavião vêm sofrendo com as constantes invasões do seu território: são posseiros, caçadores, coletores de castanha e frutas silvestres. Mas a invasão que mais tem causado prejuízos a esses povos é a dos empreendimentos apoiados pela iniciativa pública: rodoviário, hidrelétrico e ferroviário. Não somente pelos impactos ambientais causados, mas pelos impactos sociais, tidos como incalculáveis e irreversíveis pela própria comunidade. 

As reflexões sobre o ensino bilíngue nas comunidades indígenas vão além de questões didáticas e metodológicas, elas abrangem políticas públicas que respaldem não somente as necessidades funcionais da língua indígena, mas que este ensino e sua metodologia sirvam como suporte para interação dos indígenas, com livros, redes sociais, documentos e todos os meios de comunicação disponíveis que lhes são necessários. Como dispõe o RECNEI (1998, p. 119)

Chama-se de “língua de instrução” a língua utilizada na sala de aula para introduzir conceitos, dar esclarecimento e explicações. A língua indígena será, nesse caso, a língua através da qual os professores e os alunos discutem matemática, geografia, etc...Esse tipo de procedimento permite que os alunos que tem pouco domínio do português possam aprender melhor e mais rapidamente os novos conhecimentos de fora, necessários devido ao contato com a sociedade envolvente.

Discutir com a comunidade os projetos voltados à educação ainda é a maneira mais eficaz de construir uma educação diferenciada. Desenvolver projetos de revitalização da língua e do ensino bilíngue levando em conta a diversidade linguística existente nas comunidades é assegurar acesso a todos. A língua portuguesa, além de necessária, é fundamental para reivindicar seu lugar na sociedade; por outro lado, o trabalho para manter a identidade indígena precisa ser fortalecida através de atitudes que sejam incorporadas não apenas no ambiente escolar, mas no cotidiano, para que seja construída uma nova mentalidade quanto à necessidade da língua indígena não apenas como manutenção, mas como autoafirmação.

NOTA BIOGRÁFICA
Carmélia Gonçalves de Farias é Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Letras/Linguagem e Sociedade da Universidade Federal do Sul e Sudeste (POSLET/UNIFESSPA), possui Especialização em Espanhol pela Faculdade Integrada de Araguatins (FAIARA) e é Graduada em Letras – Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Pará (UFPA). No Mestrado, sob orientação da professora Dra. Eliane Pereira Machado Soares, pesquisa sobre Perdas e Preservação de Línguas Indígenas no Sudeste do Pará.

REFERÊNCIAS 
BANIWA. Gersem Luciano dos Santos. O índio brasileiro: o que você precisa saber sobre os povos indígenas do Brasil de hoje. Vol.1. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade: LACED/Museu Nacional, 2006. 

BRASIL. Ministério da Educação e Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Referencial curricular nacional para as escolas indígenas/Ministério da Educação e do Desporto, Secretaria de Educação Fundamental. - Brasília: MEC/SEF, 1998.

FERNANDES, Rosani de Fátima; CARDOSO, Wladirson Ronny da Silva; SÀ, João Daniel Macedo. Os usos e a Proteção da Floresta pelo povo Kyikatêjê: soberania e autodeterminação. 26ª Reunião Brasileira de Antropologia. Porto Seguro, Bahia, Brasil, 2008.

LABOV, W. Padrões sociolingüísticos. Trad. de M. Bagno; M. M. P. Scherre; C. R. Cardoso. São Paulo: Parábola Editorial, 2008 [1972].

NASCIMENTO, A. C. Escola Indígena: palco das diferenças. Campo Grande: UCDB, 2004. (coleção teses e dissertações em educação, v.2).

Comentários

  1. Com o avanço da Covid 19 e o aumento dos números de mortes de pessoas idosas e grupos de risco, em que medida é possível considerar que a preservação da língua se encontra ameaçada caso os anciãos venham a falecer neste período pandemico?

    Sara Brigida Farias Ferreira

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    1. Olá Sara! Boa tarde. As comunidades da Terra Indígena Mãe Maria, onde residem os povos Akrãrikatêjê, Kyikatêjê e Parkatêjê tomaram medidas extremas de isolamento. Quanto às mortes por COVID foram duas até o momento. E sobre a preservação da língua existem vários trabalhos de revitalização e preservação da língua a partir da iniciativa dos próprios indígenas juntos à Universidade. Não posso deixar de concordar com você que a morte de um indígena falante da língua é uma perda irreparável, não apenas do ponto de vista linguístico, mas também pela representatividade política da liderança que se vai.

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  2. Como é o interesse do povo indígena Gavião pela língua portuguesa em sala de aula indígena? Há muita dificuldade em aprender uma língua que não a materna? A realidade desses alunos é totalmente diferente se compararmos com a realidade de uma escola pública?

    Marta Lima Alves

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    1. Olá, Marta! Os alunos da escola indígena são iguais aos da escola não indígena, e o português dentro das aldeias do povo Gavião já é a língua materna, a não ser pelo falantes mais idosos que transmitem através da oralidade toda a cultura, incluindo a língua indígena. Os interesses aos usos do português são diferentes, mas as necessidades são as mesmas no que diz respeito ao conteúdo da disciplina de língua portuguesa. A realidade é diferente em muitos aspectos, um deles é a educação específica, diferenciada e bilíngue que atenda as necessidades de cada povo.
      Na escola pública fora da aldeia, o conteúdo é o mesmo para todas as escolas, já nas escolas indígenas o conteúdo e a metodologia devem ser diferenciados, pois cada etnia necessita de uma abordagem diferenciada que respeite sua cultura.

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  3. Carmélia e Eliane, parabéns pelo artigo. Tenho interesse em desenvolver trabalhos de pesquisa e extensão com a comunidade, como já estive lá em 2019 e 2018, vi um pouco a realidade do ensino e fiquei ainda mais otimista ao ver o trabalho de vocês. Minha dúvida é se as gerações atuais apresentam interesse pela língua-mãe, e como as lideranças da comunidade têm trabalho com as/os professoras/es para trazer essa importância de preservar a língua como patrimônio.
    Professora Ingrid Gomes Bassi (ICSA/Unifesspa).

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  4. Olá professora Ingrid, obrigada!!
    Sobre as gerações atuais, posso lhe dizer que eles reconhecem a importância da língua indígena como fator identitário, mas as dificuldades em aprender a língua que está morrendo são inúmeras. Cada um tem seus motivos pessoais. Estou lhe respondendo baseada nos resultados de nosso trabalho feito dentro da comunidade. Existem projetos ligados à Universidade que trabalham nesta tentativa de revitalização da língua, a comunidade é unânime em afirmar que sua língua é sua identidade. No mais, se caso a senhora tiver interesse por mais informações, nossos contatos são estes. eliane@unifesspa.edu.br e carmeliafarias@hotmail.com.
    Obrigada mais uma vez.

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    1. Está certo.
      Gratidão, bom trabalho de pesquisa.
      Abraços,
      Ingrid.

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  5. Olá, Camélia e Eliane....

    Inicialmente, as parabenizo pela pesquisa e escolha do tema. Desejo-lhes sucesso na continuidade e obtenção de resultados.

    A manutenção da língua materna par ao povo indígena representa a reafirmação de suas raízes e cultura. Penso que, para os mais novos é uma aceitação ao seu próprio povo e crescimento cultural dentro dos seus aspectos culturais e étnicos. Em outras palavras, poderíamos dizer que a língua materna é muito mais que um simples recurso da comunicação, é o resgate à valorização da figura indígena e sua contribuições não só nessas comunidades abordadas na sua pesquisa, mas para o nosso país de uma forma geral. Devemos muito a esses povos.

    Gostaria de entender como se dá atualmente o uso da língua materna dentro dessas comunidades, na vivencia diária dos mais jovens e as lideranças, no convívio familiar, etc., ou seja nas atividades de rotina do grupo.

    Elen Joanne da Silva Curvina
    Aluna do PROFEI/UNIFESSPA

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  6. Olá Elen. Boa tarde. Obrigada pelas considerações. Infelizmente a língua portuguesa é de uso majoritário. As atividades cotidianas são realizadas em português. Exceto as atividades referentes à cultura.

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  7. Parabéns pela pesquisa, Carmélia. O título do seu trabalho leva me levou a pensar que você está pesquisando a situação da educação escolar indígena nas escolas indígenas do sudeste paraense. Mas, na introdução fica evidente que você fara essa investigação nas escolas das aldeias da Reserva Indígena Mãe Maria. Conseidrando que, atualmente são 18 aldeias na Reserva, você acha viável pesquisar a situação da educação bilíngue em todas as escolas?

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